Eu esqueci o amor da minha vida

Caro leitor, talvez este seja o primeiro texto em que começo me desculpando. Desculpo-me, antecipadamente, pois talvez este texto seja repleto de melancolia. Talvez ele seja longo demais – provavelmente o maior que já escrevi – ou, talvez, seu conteúdo em nada lhe interesse.

Usarei estas palavras como forma de desabafo. Como forma de contar ao mundo e a mim mesmo como esqueci aquele que sonhei ser o amor da minha vida. E não falo de romances baratos, não. Falo de conexão de alma, de semelhança, de empatia. Falo daquilo que achei que fosse para sempre – depois que existisse, e que hoje não é mais.

Poderia, claro, estar em alguma mesa de boteco falando sobre isso com minhas amigas. Elas são as pessoas mais doces, amáveis e companheiras que conheço. Mas o incômodo que isso me causaria seria gigantesco. Primeiro porque elas provavelmente já se cansaram de me ouvir a respeito disso. E mesmo que não tenham, eu me cansei de falar. Cansei porque, há anos, pareço um cão correndo atrás do próprio rabo.

Ou parecia.

solidao2013

Eu nunca fui daqueles que acreditou em amor à primeira vista. Quando vi esse fulano (e é assim que o trataremos daqui em diante), me interessei, primeiramente, por seu corpo que causava inveja em muito marmanjo cria de academia. A princípio, jamais imaginei que algo pudesse existir – ainda mais naquela época: minha autoestima era menor que a torcida do XV de Piracicaba.

Mas a vida é uma caixinha de surpresas. E, como sempre, me surpreendeu. Aos poucos, aquele menino lindo – e arrogante – que outrora eu conheci, desmanchava-se em pedaços na minha frente. Era como se a pele de leão caísse e, em seu lugar, surgisse a mais bela lã. A fera da qual eu tinha medo, tornara-se um carneiro. E nos aproximamos.

Logo de cara a intimidade foi grande. Parecíamos amigos de longa data. Primeiro as caronas que eu dava, depois o apoio nos momentos difíceis, as risadas e cumplicidades… E, como se eu caísse dentro de um novelo, eu me enrolei.

Aos poucos enxergava aquela amizade demasiadamente crua. Eu queria mais.

Percebi que, de tudo o que me faltava na vida, ali estava o que eu mais precisava. Era um menino problemático, eu confesso, mas era isso que eu queria. Cuidar é algo intrínseco a mim. Não sei não ser mãe. A que conste para as notas do leitor, bebo Malzebier – tem algo mais maternal que isso?

E bem na hora que eu desprendia todo o meu cuidado, mais coisas aconteciam para que eu precisasse desprender ainda mais. Eu me sentia feliz na presença dele e ele havia se tornado meu ópio.

E toda droga, caro leitor – como bem adverte o Ministério da Saúde – causa efeitos colaterais. Eu usava da presença dele. Sentia cada minuto passando, como se os segundos fossem a batida tensa, insegura e esperançosa do meu coração. É fato que eu sempre fui um apaixonado pelos amores platônicos, mas agora era diferente. Agora era ele. Tinha que ser.

Eu fui me tornando dependente. Imagine que um viciado rouba, mata e se prostitui tudo pelo prazer de satisfazer o vício. À minha maneira, fazia o mesmo. Eu o via sofrendo nos braços de uma menina que jamais lhe dera o valor que merecia. Todas as noites, quando me deitava, a minha abstinência era o sofrimento pelo sofrimento dele. Se pudesse, teria arrancado com unhas e dentes tudo o que ele sentia de ruim, teria trazido pra mim, teria feito meu. Tudo para fazê-lo feliz.

Acompanhei noites e noites a fio, e o meu vício aumentava à medida em que eu acreditava que era ele. Tinha que ser. Tudo o que eu sempre procurei em minha vida estava ali. Eu não sabia explicar, mas era ele.

Meu vício foi se solidificando. Agora, vê-lo todos os dias era condição sine qua non para meus sorrisos. Terrível era o dia que eu passava sem poder olhá-lo nos olhos. Sentia que o Sol não havia nascido, o mundo não girava, o tempo não passava. Eu precisava daquilo. Eu precisava dele.

Imagine que, mesmo para sentir a dor dele, eu queria estar ali. Eu queria estar perto, eu queria pegar nas mãos dele e dizer “venha comigo, eu posso te fazer feliz.” E como o firmamento que existe, eu afirmo categoricamente: eu poderia mesmo.

Mas a vida, como bem sei, é cheia de suas peculiaridades. Não sei como não demonstrava abertamente tudo aquilo que sentia. Apesar do cuidado, do ombro, do ouvir chorar, do consolar, do alegrar, do acompanhar, do viver do lado, eu era simplesmente um amigo. Me imagino, hoje, como uma represa. Uma barragem gigantesca que acumulou, ao longo de anos, todos esses sentimentos tristes, alegres, nostálgicos, esperançosos… Condensei tudo dentro de mim. Preenchi meu vazio com as ilusões que aquele amor me trazia.

Pode parecer besteira ou encanação minha, mas fulano não me abraçava direito. Nunca abraçou, na verdade. Talvez eu demonstrasse só um pouco mais do que gostaria.

E fomos crescendo. Tanto eu quanto ele, em ritmos diferentes – mas sempre juntos – aprendíamos todo-santo-dia uma nova lição que levaríamos para contar aos nossos netos. Nossa vida era uma aventura pitorescamente monótona, dotada das mais simples alegrias e cumplicidades que eu jamais imaginei merecer. Aqueles momentos ao lado dele me faziam esquecer dos ciúmes que eu sentia da namorada nova. Da peguete nova. Daquela que ele estava comendo. Me fazia esquecer que, ao fim do dia, eu ainda estava sozinho. Que minha alma acreditava na completude daquele amor mais do que a realidade me dava. A minha represa, agora, era preenchida, também, por solidão.

Desenvolvi por fulano, em todo esse tempo, um amor tão grande que jamais pensei ser capaz de carregar. Longe de ser um romance shakespeariano, eu entraria na frente de uma arma por ele. Sem nem duvidar. Entre a minha vida e a dele, escolheria mil vezes a dele. Para que ele pudesse ser feliz, plenamente feliz, mesmo que isso não me incluísse.

O gosto da droga agora era amargo. A satisfação de estar perto tinha se misturado com a amargura de não estar tão perto como eu gostaria. Havia um abismo entre nós – que só eu enxergava. Vale notar, neste ponto, que fulano sempre (sempre mesmo!) deixou claro o quanto minha amizade importava, o quanto eu importava, o quanto era bom estar comigo como amigo.

Aos poucos eu percebi que eu jamais chegaria a possuir fulano. A minha vontade, verdade seja dita, era rasgar inescrupulosamente toda a roupa numa noite quente e aos beijos mais demorados fazer amor que daria inveja aos maiores amantes. De viver uma entrega tão grande e pura que nossa luz iluminaria o universo e nossas almas juntas viajariam por milênios, brincando, correndo, amando, dançando… Nós viveríamos a completude da entrega. Eu sentia. Eu queria.

Mas, diferente do sonho, a vida me levava por outro caminho. Eu me tornei um dependente do pior tipo: aquele que não quer aceitar a dependência. Homem atrás de homem, eu buscava freneticamente encontrar fulano, provocar fulano, mostrar que eu estava ali e era desejado. Por que ELE não me queria? Onde eu havia errado?

Fiz coisas das quais não me orgulho. Estive com pessoas – muitas pessoas – com quem não gostaria de estar em sã consciência. Mas eu estava sob o efeito daquela droga inebriante e minha sede por aquela boca se tornava maior, maior e maior.

Eu carregava em meu peito uma mistura heterogênea de amor e ódio. Ódio porque eu via fulano sofrendo, fazendo escolhas erradas, buscando a felicidade onde eu sabia que ela não encontraria. E como eu sabia! Não errava uma. Meu amor protetor também era intuitivo.

Só que agora eu estava cheio. Minha represa suja, poluída, cheia daquele lodo de amor rancoroso e não realizado transbordava incontrolavelmente dentro de mim. Agora eu era dor. Dor por não poder amar, dor por ver meu amor sofrendo. Dor e dor e mais dor. Era nisso que minha vida se resumia.

Eu decidi me afastar. Mas antes, é claro, deixei fulano ciente – e bem ciente! – de tudo aquilo que eu sentia. Tudo que 4 anos sempre escondi. Agora era hora da verdade. Confesso que foi um dos momentos mais difíceis em minha vida. Olhar nos olhos dele, com os meus já marejados, e dizer que eu não estaria mais ali, que eu não o procuraria mais, que eu PRECISAVA estar longe daquela droga para poder me limpar, foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida. Eu estava disposto a esquecer o amor da minha vida. E – uau! – isso doeu mais que tudo.

Nos primeiros dias a dor da abstinência era excruciante. Eu podia ouvir a respiração dele ao meu lado. Podia sentir o calor da pele que eu sempre senti, mesmo tendo tocado poucas vezes. Meu coração ainda estava nele. E ele ainda estava em mim.

Como bom filho resignado que sou, deixei o tempo passar e seguir seu fluxo. Nesse período sabático – acredite, fulano mesmo que o batizou assim, alegando que eu voltaria e, para ele, a amizade seria a mesma – eu me arrisquei em algumas tentativas bem fracassadas de novos relacionamentos. Que pela primeira vez não pareciam tão fracassadas assim.

Até para a minha família apresentei um cara, coisa que nunca tinha feito. E eu realmente acreditava que aquilo pudesse dar certo. Que a maneira mais fácil de esquecer uma pessoa seria colocando outra em seu lugar. Não é.

Meu período sabático durou aproximadamente 4 meses. Num belo dia, resolvi ligar para fulano e passar na casa dele. Era um sábado à noite. Prontamente fulano me disse que estava jogando vídeo-game e que eu deveria passar sim. Ao chegar lá, não subimos. Eu estranhei a recepção na garagem – quase me senti um carro – até que a verdade veio: fulano estava com uma garota upstairs e eu não poderia subir pois a mesma não queria receber os amigos dele.

Imagine uma faca. Pegue essa faca e cometa haraquiri. Era essa a dor que eu sentia. Meu amor havia se transformado num gigantesco ódio. Ódio por aquilo, ódio por ela, ódio por ele, ódio de mim por ter tentado me reaproximar. Intrepidamente mórbido. Era assim que eu me sentia.

Amigo leitor, se você chegou até aqui, meus parabéns. Eu realmente preciso do seu apoio nessa parte.

Depois desse episódio, perdoá-lo foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida – de novo! Mas eu perdoei. Ele não tinha culpa, pois eu havia criado demasiada expectativa. Esperava que fulano me recebesse com tapete vermelho e alegorias, mas pra ele eu sempre estive ali. Eu tinha saído para ir ao supermercado e voltado. Era isso que ele imaginava. O que, para mim, tinha sido a eternidade, para fulano foi só “um tempo”.

E aos poucos fomos nos reaproximando. Sabe aquele cachorro traumatizado de tanto apanhar, que tem medo de chegar perto de você, mas que, ainda assim, quer seu carinho? Eu estava assim. Pisando em ovos.

Eu fui me envolvendo de novo – mais fortalecido, dessa vez. E para minha surpresa, o menino que eu havia deixado há 4 meses tornara-se um homem. Cheio de atitudes, responsabilidades e desejos. Meu menino havia crescido. Tudo tão rápido.

Agora já falamos de momentos atuais. E de mais surpresas. De um modo que eu nunca esperava, fulano me surpreendeu e me estendeu a mão de uma maneira que eu não imaginava que ele seria capaz. Eu precisava de ajuda e ele estava ali por mim. De um modo quase cármico, tudo o que outrora eu fizera por ele, ele estava fazendo por mim. Sem perceber, eu já estava viciado novamente.

Já sofria novamente, já esperava novamente, já queria novamente. Mas caramba! Tinha que ser ele. As pessoas falavam que era ele. “Léo, eu tenho certeza que vocês ainda vão ficar juntos”, eu ouvia. Me alegrava na hora, mas logo em seguida a melancolia me dominava.

De novo eu sentia o mesmo ciúme da nova menina idiota que não dava a ele o devido valor. Ao ouvi-lo contar de suas desventuras amorosas, meu silêncio enciumado ao telefone disfarçava-se de má qualidade no sinal da operadora. Eu era um cão correndo atrás do próprio rabo. Tinha que ser ele.

Mas, de repente, de um modo tão engraçado e surpreendente como a vida é, em uma ligação, em uma nova história de amor de fulano, eu enxerguei.

Foi como se a represa tivesse rompido, e todo aquele lodo de sentimentos agora vertiginosamente corresse para fora de mim. A venda havia caído, a ilusão acabado e a esperança morrido.

Não era ele. Assim. Simples. Que foi embora como veio. Não era ele. E, de repente, aquele preenchimento falso que me habitara por tanto tempo agora era só vazio. Eu estou vazio. Como se dentro do meu peito coubesse o infinito. Como se esse buraco fosse sem fim, sem chão.

Não era ele, e eu estava sozinho. Eu estou sozinho. O amor da minha vida não era o amor da minha vida. Fulano virou uma lembrança – ou o que eu sentia por ele.

Agora estou aqui, imensamente incompleto, perdido, vago. Agora caminho só pelo meu deserto de sal.

E quem sabe um dia esse vazio que existe em mim possa ser preenchido da maneira mais pura e bela pelo verdadeiro amor da minha vida.

Leonardo Lino

Leonardo Lino 24 anos, publicitário, trabalha com Marketing Imobiliário e é um apaixonado por economia, política e filosofia. É um inimigo declarado do estado. Um monarquista pragmático. Tem como inspiração Ayn Rand e Ludwig von Mises. Gosta de falar abobrinhas, bobagens e jamais vai te levar a sério. Está aprendendo a escrever, desculpem os maus modos.

2 comentários

  1. Belle · setembro 11, 2015

    Fiquei com pena do cachorro cansado de tanto apanhar mas que ainda assim quer o seu carinho, pegou fundo, viu? Tem de avisar aos leitores que vão haver “cenas fortes”, pra gente preparar o psicológico!

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