Que abram as portas do armário

É a primeira vez que eu falo abertamente sobre a minha sexualidade, e esse texto é só mais um texto que circula a internet tentando clarear a ideia das pessoas que julgam o fato de ser gay errado.

Queria dizer que é extremamente difícil escrever sobre isso, mesmo eu que sempre escrevi sobre tudo. Tem algumas cicatrizes que ainda doem (apesar de fechadas).

Esse texto tem o intuito de transmitir informação para os pré conceitos que alguns têm.

Vamos começar esclarecendo a ideia de que nós, gays, não escolhemos ser gays. A regra é básica, você, hétero, em qual parte da sua vida você decidiu ser hétero? (tempo para pensar). Resposta: Você não decidiu nada! Você simplesmente é e ponto. Nós também não escolhemos ser gay. (mas se tivesse a opção, eu escolheria)

Ok, vamos para o próximo questionamento, o qual eu ouvi muito, principalmente dos mais tradicionais: “O homem e a mulher foram criados para procriar, você, como homessexual não pode procriar”. Of course, não podemos, mas a gente vem ajudando muitos casais heterossexuais que abandonaram seus filhos em orfanados, nós estamos adotando essas crianças e dando amor, educação e carinho. (coisa que um casal hétero não deu). E convenhamos, a ciência evoluiu e agora a gente tem vários jeitinhos de termos filhos, gerados! Aceita sociedade! Ah, e nem por isso meu filho vai ser gay, afinal, ele pode ser o que quiser.

Mas o homessuxalismo…. pera pera,  Para tudo! O sufixo ismo é indicado como doença, então não, a HOMESSEXUALIDADE não é uma doença, você não precisa de remédio nem de hormônios a mais no seu corpo, porque você não está doente!

Observação útil no meio de tanta informação: Você sabia que no vocabulário americano a palavra “gay’ significa “pessoa feliz e alegre”? (E apesar de tanta violência e tanta descriminação, ainda somos considerados uma comunidade alegre e feliz, talvez você se orgulhe disso).

Bom, para quem ainda não sabe, tivemos muitos ativistas lutando pela nossa causa muito antes de você nascer. Tivemos Harney Milk, o primeiro homem gay a ocupar um cargo público importante na cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, tivemos também Barbara Jordan, primeira negra do Sul dos Estados Unidos a ser eleita para a Câmara de Representantes, entre outros ativistas que lutaram e deixaram seu legado na história da nossa causa.

No Brasil tivemos muitos ícones gays na música, na literatura e na dramaturgia, pessoas que também lutaram contra a censura, para que você, hoje, tivesse mais segurança e mais tranquilidade de andar na rua de mãos dadas com seu parceiro.

Devemos destacar também que não é assim que acontece ao redor do mundo, 76 países proíbem seus cidadãos de serem homessexuais, e em 6 deles você pode ser condenado a morte… por amar.

Então esse texto é um misto de informação para você gay, se orgulhar do que você é, porque ser gay não transforma seu caráter, não transforma sua essência. Houveram pessoas que lutaram pelos direitos (ainda que sejam poucos) que você têm hoje. Honre!

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É tão triste ver alguém se afastando da família, se escondendo atrás de uma máscara, vivendo uma vida paralela, com medo, com vergonha, só por ser quem realmente é. É tão triste ver uma criança se bloqueando das suas espontaneidades porque alguém disse a ela que “brincar de boneca é coisa de menina”, é triste ver jovens se suicidando porque não foram compreendidos e amados. É triste. Mas a luta continua, porque as cores do arco íris precisam ser vistas.

E porque esse texto não diz respeito somente à você, LGBT, diz respeito aos seus pais, à sua família, aos seus colegas do trabalho, aos seus vizinhos, porque independentemente de orientação sexual, todos nós contemos os mesmos elementos na nossa formação, somos acima de tudo, seres humanos. E devemos sim acolher, proteger e respeitar as diferenças, afinal, nada mais lindo do que viver a diversidade que o universo nos ofereceu.

[Esse texto também é um agradecimento enorme aos amigos que me acolheram em tempos conturbados, à parte da minha família que me compreendeu mesmo quando tudo não fazia sentido, e a minha mãe que aprendeu a me respeitar e nunca deixou de me amar. O mundo devia aprender com você mãe, obrigada por me acolher e me compreender, isso é importante demais para mim]

Não, ela não é o seu milagre

Se você assistiu Papers Towns (Cidades de Papel) e se decepcionou com o final ou pegou uma certa bronca da Margo, eu vim aqui para defendê-la e ensinar a lição principal que esse filme oferece.

Acreditar que todo mundo tem seu milagre não parece ser algo muito diferente de depositar as nossas esperanças em algo ou alguém em quem a gente acredita que vá transformar nossa vida. Quentin acreditava que seu milagre era uma menina que morava ao lado de sua casa, Margo Roth Spiegelman, e se concentrou na ideia de que ela mudaria sua vida.

As diferenças entre Margo e Quentin são notórias: Margo vive por aventuras e descobrimentos, enquanto Quentin é o cara que quase nunca sai da sua zona de conforto.  Até a chamada “noite da vingança”.  Uma noite que Margo aparece na janela do  seu quarto e o convida para uma noite inesquecível (pelo menos para ele).

Logo depois dessa noite, Margo some deixando algumas pistas. Pela esperança de que ela fosse seu milagre, Quentin resolveu ingressar na aventura de reencontrar a garota que amava e aí começa um ciclo maravilhoso de amizade entre Quentin e mais cinco amigos que fazem questão de  acompanhá-lo na jornada em busca de Margo.

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Quando Quentin finalmente encontra Margo em uma cidade bem afastada do estado da Flórida, ela o decepciona dizendo que não ia voltar para casa, que estava se aventurando por outros caminhos e esse era o jeito dela de viver e não abriu mão disso por conta de um menino apaixonado.

Está com raiva dessa atitude? Vejamos, nem todo mundo acredita que os nossos milagres estão em outra pessoa, bastava olhar o filme com os olhos dela – viajar, se deparar com outras culturas e outras realidades era o que a fazia estar viva. Margo nunca acreditou que o milagre dela seria Quentin e nem achou que ela era o milagre de alguém.

É saber que tudo que podemos controlar está em nós mesmos e que as atitudes dos outros são responsabilidade deles. Quentin soube aceitar as consequências dessa longa jornada que, no fim, serviu para entender que o seu verdadeiro milagre se encontrava nele mesmo.

Margo o deixar partir e seguir o seu caminho não é nem de longe um final triste, muito menos sem sentimentos. É um dos finais mais realistas que encontrei em filmes produzidos para o público que sempre espera o casal vivendo felizes juntos. Eles continuarão vivendo felizes, mas cada um acreditando em seu próprio milagre, aquele que vem da gente mesmo.

Jamile Ferraz

Jamile Ferraz Jornalista, mas gosta mesmo é de romance barato. Virginiana com vida profissional, mas nunca conseguiu tomar um rumo na vida pessoal. Acredita em destino, mas nem tanto. Apaixonada por livros, cinema e a música é como combustível. Um dia vocês vão ouvir falar de mim.

Mesmo que você não saiba, a Fresno já falou por você

Eu estava sentada na sala de aula com o olhar perdido para o menino que sentava na minha frente, a classe estava em caos, o professor já tinha desistido da matéria, mas na minha cabeça só passava a decepção de saber que dois dias atrás eu estava no estado mais lastimável que já me encontrei.

Uma amiga reconheceu a desesperança no olhar daquela adolescente de 16 anos que tinha passado pela primeira decepção amorosa da vida e disse: “olha, escuta essa música, eu sei que não vai melhorar, na verdade, vai piorar, mas um dia você vai ver sentido nisso.”

A música tinha o nome mais estranho que eu já tinha visto, Stonehenge. Para quem não sabe o significado dessa palavra, Stonehenge é um alinhamento megalítico da Idade do Bronze, localizado no sul da Inglaterra, mas a ligação do nome da música com o sentido dela até hoje eu não sei.

O fato é que aquela letra me tocou, foi o meu primeiro contato com a banda, e a partir daí o circulo de sentido começou a ter seus efeitos.

Aquele dia eu saí mais cedo da escola e marquei de cabeça o nome da banda, que até hoje é apenas o nome de um rio, de uma cidade e de uma árvore.

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Ouvi o que a internet me proporcionava e todas as letras dominaram o meu consciente. Eram versos regidos por palavras que expressavam exatamente o que eu queria dizer para o mundo e eu achava que nada no mundo poderia falar por mim. A Fresno conseguiu.

A banda tem hoje 15 anos de estrada, e foi rotulada por muito tempo como emo ou piegas demais. As letras que antes transbordavam sentimentalismo eram o que o meu coração, e o de muitas outras pessoas, sentia. Foi assim que o grupo ganhou espaço na mídia e milhões de pessoas cantavam com força na garganta as palavras que as sufocavam.

Pois bem, a Fresno seguiu seu caminho no ramo indie. Sem nenhuma gravadora, fez 2 EP e 1 CD independente e pautou as novas músicas com revolta e inspiração, traçando letras mais adultas e conceituais. Em suma, os caras priorizaram sua origem e lutaram para continuar sua jornada.

A carreira dos caras começou a fazer parte do meu dia a dia, músicas como: Desde Quando Você Se Foi, Redenção, Duas Lágrimas, Cada Poça Dessa Rua tem Um Pouco de Minhas Lágrimas e Milonga foram fundamentais para entender e aceitar mais as perdas da vida.

Estou quase fazendo 22 anos e tive a oportunidade de ir a 3 shows deles: o primeiro em 2012 e o último ainda este ano. Cada vez que escuto eles ao vivo, o coração pulsa e as lembranças de cada música se transportam para os meus olhos. O fato é que a Fresno decodificou os monstros e transformou isso em arte, passou a compartilhar isso e reorganizou a ideia de uma penca de gente que sofreu por amor.

As músicas atuais estão mais centradas em temas alarmantes para a sociedade, Manifesto é a obra mais centrada que a Fresno expôs ao mundo e não fala de amor, fala de justiça e mesmo assim é tocante e emocionante.

Não me lembro quantas vezes a música Diga Parte 2 me fez ter a entonação mais grave da minha voz para cantar a parte mais revoltante que eu conheço em uma música. É essa revolta, esse peso que tiro das costas que faz eu me sentir leve, capaz e motivada.

Se um dia eu pensei em desistir da vida e das pessoas, a música Sobreviver e Acreditar me pôs em pé, me empurrou para frente e destacou que eu precisava ser melhor que isso. E ainda que eu me perca no turbulento oceano de sentimentos, sei que aquela primeira música fez todo o sentido e vai continuar fazendo por anos.

Vão tentar derrubar, que é pra me ver crescer

E às vezes me matar, que é pra eu renascer

Como uma supernova que atravessa o ar

Eu sou a maré viva… Se entrar, vai se afogar.

Se esse verso não te fez sentido agora, pode apostar, ele ainda vai fazer.

Jamile Ferraz

Jamile Ferraz Jornalista, mas gosta mesmo é de romance barato. Virginiana com vida profissional, mas nunca conseguiu tomar um rumo na vida pessoal. Acredita em destino, mas nem tanto. Apaixonada por livros, cinema e a música é como combustível. Um dia vocês vão ouvir falar de mim.

Mas se quer saber se quero outra vida…

Era hora de voltar para casa depois de um filme decepcionante. O final dele não era feliz e a gente sempre espera, com grandes expectativas, que o mocinho vá ficar com a mocinha. Não nesta noite.

Entrei no carro, liguei o som e a primeira música que inundou meus ouvidos foi Eu Te Devoro, do Djavan. Fazia séculos que ela estava na minha playlist mas eu nunca deixava ela tocar, ontem eu deixei.

Teus sinais
Me confundem da cabeça aos pés
Mas por dentro eu te devoro
Teu olhar
Não me diz exato quem tu és
Mesmo assim eu te devoro
Te devoraria a qualquer preço
Porque te ignoro ou te conheço
Quando chove ou quando faz frio

As ruas ficaram largas e eu me permiti ter uns segundos de desatenção no trânsito para pensar o que eu estava fazendo com a minha vida. Caçando olhares perdidos para preencher o meu, saindo sem direção alguma procurando algo que me abastecesse. Algo que me mostrasse o caminho certo, ou o caminho que te atingisse em cheio.

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Por quantas bocas a minha boca passou para entender que meu coração precisa caminhar sozinho? E então a música voltou a fazer um pouco mais de sentido.

Tudo o que Deus criou
Pensando em você
Fez a via-láctea
Fez os dinossauros
Sem pensar em nada
Fez a minha vida
E te deu

Eu entendo quando o Djavan entona a música nessa parte, “fez a minha vida e te deu”, como se eu não tivesse escolha, como se fosse um presente sem devoluções. Essa é a minha vida sendo sua e eu a observo de longe querendo que Deus também me desse a sua.

Então me vejo reaprendendo tudo, reaprendendo a caminhar só e a reconquistar um mundo que, agora, só pertence a mim.

Sem contar os dias
Que me faz morrer sem saber de ti
Jogado à solidão
Mas se quer saber
Se eu quero outra vida
Não, não

Quando a música chegou nessa parte, parei o carro e tentei de todas as formas discordar do cantor, afinal, eu quero outra vida. Não essa cheia de solidão, cheia do vazio de saber que nela não tem você. Então, se quer saber se quero outra vida? Sim, eu quero.

Mas a música não tinha terminado e o último estrofe calou meus pensamentos contraditórios. Vi que não dava para discordar mais de nada.

Eu quero mesmo é viver
Pra esperar, esperar
Devorar você

Jamile Ferraz

Jamile Ferraz Jornalista, mas gosta mesmo é de romance barato. Virginiana com vida profissional, mas nunca conseguiu tomar um rumo na vida pessoal. Acredita em destino, mas nem tanto. Apaixonada por livros, cinema e a música é como combustível. Um dia vocês vão ouvir falar de mim.

Saiba porque é fundamental assistir Sense 8

Esqueça todos os padrões que a televisão e o cinema tiveram. Esqueça os estereótipos. Foi isso que a Netflix fez com Sense8. Esqueceu os paradigmas que limitavam (e muito) uma nova forma de fazer superproduções.

Não foi a primeira vez que o sistema de streaming abriu as portas para temas tão ocultos dentro das cabecinhas fechadas da grande parte dos telespectadores. House of Cards mostra com perfeição todas as etapas e trapaças de um político até chegar à presidência, Orange Is The New Black foi outra produção original da Netflix que explorou (e muito bem) a realidade das mulheres presas em um presídio feminino. E, agora, Sense8 vem para botar a cara a tapa e explorar temas tabus.

É tanto gancho para escolher falar nessa publicação que me perco fácil, mas vou caminhar para o lado sensitivo – como diz o nome da série – e procurar fazer um parâmetro da série com o que vivemos atualmente.

A série relata a vida de 8 pessoas diferentes e, repare, todos os personagem vivem culturas diferentes. Por isso, a realidade de cada um é instigante. Temos Capheus, um jovem africano que é fã de Jean-Claude Van Damme e sua história se volta aos envolvimentos dele com gangues para conseguir remédio para a mãe HIV positiva; a economista Sun Bak é especialista em artes marciais e enfrenta uma família conservadora; no México, o ator de novelas e filmes de ação Lito, é um gay dentro do armário com medo de revelar sua sexualidade e perder a fama; já em São Francisco temos Nomi, uma transexual e hacker que tem um relacionamento fiel com Amanita e enfrenta oposições de gênero dentro da sua família; em Chicago, temos o policial Will, o drama de sua história são as suas lembranças do passado; em Mumbai, temos Kala, uma indiana que está prestes a se casar com um homem que não ama; em Berlim, o assaltante Wolfgang vive sempre em perigo; e, por último, temos a DJ Riley que vive em Londres tentando se recuperar da perda do seu marido e filho.

Essas 8 vidas são interligadas em situações precisas, algo os conectam e, cada vez que isso acontece, o clímax explode.

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Não vou entrar em nenhum termo técnico, mas é preciso se aprofundar na história de cada um e a direção de fotografia fez isso muito bem. Eu senti o que cada um sentia, torci para que os sensitivos entrassem em contato e que a especialidade de um pudesse ajudar o outro.

Mais do que ajudar o outro, os sensitivos sentiam a tristeza, a felicidade e a emoção de cada um deles, pois estavam no lugar do outro, mesmo seu corpo estando em outro continente. Genial, não é? Nós, que estamos tão perto um do outro, não conseguimos nos ver na situação do outro.

Me envolvi tanto com o jeito que os irmãos Wachowskis produziram a série que pude sentir na pele a dor que Lito sente quando seu namorado o abandona. Como ele se desespera, chora, rasteja e como ele se acaba sozinho em uma única cena, mostrando a quem quer que seja que um drama de relacionamento heterossexual também acontece nos relacionamentos homossexuais.

Em algum momento da produção você vai se identificar com o roteiro, com o texto, com o personagem e vai desejar ser um deles.

Sense8 escancara o lado emocional, ainda mais para quem só sabe usar a razão. Foi um tapa na minha cara e acredito que para muitas pessoas que encaram a vida usando a cabeça e não o coração. Afinal, sentir, se emocionar e usar o coração não é sinônimo de fraqueza. Pelo contrário, te faz humano!

Abram o Google ou o dicionário e procurem pela palavra EMPATIA, é disso que Sense8 fala.

Jamile Ferraz

Jamile Ferraz Jornalista, mas gosta mesmo é de romance barato. Virginiana com vida profissional, mas nunca conseguiu tomar um rumo na vida pessoal. Acredita em destino, mas nem tanto. Apaixonada por livros, cinema e a música é como combustível. Um dia vocês vão ouvir falar de mim.